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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Quarto dia ínútil...


O dia do mês, sete, quarto dia útil, um dia extremamente importante de uma parcela significativa da população brasileira.
Acordei cedo, levei a patroa pro trabalho, uma discussão banal por causa de alguma merda do cotidiano e lá se vão os cachorros soltos logo pela manhã.
Ainda antes de deixá-la, fico observando seus passos, sua respiração, me agüentar deve ser mesmo uma merda, como sou sem noção em uma maioria de vezes.
E lá se vai o carro subindo a ladeira de pedra e seus caminhos que desembocam na boca da botija, onde mora o povão.Periferia só muda o CEP, a cara é tudo igual, da saída de Interlagos, Pedreira e Diadema, tudo nivelado, por baixo é claro, pobre não precisa de beleza pra viver, se tiver uma casa já ta bom demais, mesmo que ela alague de quando em vez.
Seguindo os traços do caminho, indo pra casa e olhando os morros.Não é só carioca que vive no morro, São Paulo tem os seus também.Eles caem e se quiser dar uma passada no macaco te levo, pode crer.
No meio do morro tinha uma lona, tinha uma lona no meio do morro.Parafraseando o poeta,ao seu redor, pedaços de barracos uma chuva quase que serena caindo, mais à frente o trânsito parado, o vidro do carro embaçado, passo o pano tentando enxergar alguma coisa,
Desvio de uma pedra e noto que um pedaço da avenida caída morro abaixo. Os carros vão seguindo lentamente, alguns que passam sequer dão ao trabalho de olhar.
Entro pela mão oposta e sigo em frente, quarto dia útil, muito movimento, banco dinheiro, contas, os parcos reais indo por entre os dedos como se areia fosse.
Sigo meu rumo ao supermercado, uma certeza paira no ar,a de que iria ficar horas a fio olhando coisas e comprando, consumindo, consumindo,para comer, beber, cagar, limpar, embalar lixo separar, reciclar, coisa rara, o homem está entupindo a veias do planeta.
A lembrança do “Compra o mais barato!!”, me alertando mesmo que ausente. Meu pai falava isto todo santo mês para minha mãe e hoje em dia ainda ouço ecoar a mesma frase,só que hoje quem a professa é a patroa.Como podem perceber saí à minha mãe(habilidosa com gastos) e não à meu pai(habilidoso para esconder a grana).
Cloridrato de Paroxetina, dois goles de água, fila para entrar no estacionamento, o ar seco, o céu azul, uma espera de vinte e oito minutos até o vigia me entregar o cartão e educadamente me desejar um bom dia ao indicar o lugar da vaga no estacionamento.
Entro e não vejo carrinhos,daqueles onde se colocam as mercadorias.Me ponho a pensar. Olho para o lado e alguém se despede de um carrinho, simplesmente o solta e ele vem lentamente ao meu encontro, como num gesto combinado, uma mágica.Seguro ele e respiro fundo, sinto meu coração acelerar, um suor frio me escorre pela nuca, meus sentidos aguçados com a agitação do lugar, pessoas, muitas, muitas pessoas.
Quarto dia útil, sensação de “estar formiga”, literalmente, indo e vindo, multidão em movimentos exagerados, como em uma comédia de faces,a vida de cada um, está estampada em seu carrinho de compras, nas coisas que consome, come.
Imagine um imenso galpão, com suas prateleiras e centenas, quiçá milhares de pessoas se espremendo em um corredor, formando um rastro como se fossem formigas cortadeiras indo e vindo sem parar.
Assim caminhavam as coisas naquele dia cinzento com pedaços de avenida caídos morro abaixo, as pessoas iam amontoando coisas e coisas dentro dos carrinhos, o suor empapando a camiseta, uma enorme fobia doendo na barriga.Gente demais me assusta.
quando entro, primeira e única constatação é a de não poder me locomover com o carrinho de compras, não havia espaço físico para executar tal operação, a sensação era a de estar entalado dentro do transito caótico de São Paulo.
O esquema era largar o carrinho em um corredor e sair em busca dos proventos.
Enfim, com a lista e caneta na mão, comecei a minha saga de consumo familiar mensal.
Arroz, feijão, lentilha e macarrão, sal, açúcar, óleo, azeite, leite(desnatado), molho de tomate, atum em lata e pó de chocolate,adoçante, gelatina diet, suco em pó sempre light.
Açougue, Frios e queijos, no meio disso tudo frutas e verduras todas não muito maduras pois estraga. Não se pode esquecer claro o setor de limpeza, cândida sabão em pó, detergente, uma cera e então beleza, quase tudo acabado. Só faltava a padaria e laricas, umas teta de nega Maria e várias bisnagas.
Depois de todo este processo que levou duas horas e treze minutos de sofrimento, andando entre corredores, esbarrando em pessoas pedindo desculpas, pisando em pés, ouvindo conversas da vida alheia e exausto, sigo para o caixa com as últimas mercadorias, espero ainda 54 minutos na fila.
Este é um momento peculiar de se fazer compras em um supermercado popular, na perifa, quem áqui mora sabe como é. Uma mistura de exaustão, e desepero(no meu caso),e muita paciência.A fila não anda, as pessoas reclamam, a máquina do Cielo é super lenta, o ar é denso, tenso.
Lá na frente, uma senhorinha reclama a diferença de preço da linguiça, ergue-a com as mãos e esbraveja, colocando o dedo na cara da operadora de caixa que a observa com o desdém daqueles que ainda não sabem que envelhecem, no meio do turbilhão sua voz se destaca, chama a atenção de todos. Espinafra , fala mal da empresa que trabalha, enfim uma feira.
Ao meu redor, uma loira imensa de mais de 2 metros de altura e com mais de cem quilos, a boca carnuda, os cabelos pintados, cheirando à nicotina, acompanhada por uma outra mulher as duas deveriam ter entre trinta e quarenta anos impossível de definir, trocavam uma conversação de sacanagem e palavrões, a conversa corria solta entre as duas.
Muito estranho isso pois quando se está presente, você vive a cena literalmente, e agora ao escrever sinto emergir os detalhes, as nuances, as peculiaridades da cada um, quando se está imobilizado.Mesmo que tenha um mp3 entalado nas ventas, fica-se a observar, nada resta a não ser seguir a fila, esperar, observar, enfim deixar o tempo passar. Quando nos distanciamos da cena é que podemos lapidar, perceber os detalhes da história, as cores que vem a lembrança.
No carrinho da gigante ( vocês podem não acreditar mas ela era imensa),havia uma série de produtos. Comecei a olhar as pessoas e imaginar os atos e as reuniões sociais que cada coisa daquele carrinho iria propiciar.
Fiquei pensando em calorias, coisa de homem que é ou já foi casado, toda mulher passa metade do dia falando do peso, a outra passa falando de calorias. Bem o carrinho da “Loura”, estava completamente abarrotado de calorias, farinha(de trigo, de milho e de mandioca), bolacha, muita bolacha, uma garrafa de Old Eight, alguns energéticos, e refrigerantes, ainda algumas lingüiças e uns bifes de patinho.
Ao seu lado um magricela com os olhos grandes, no seu carrinho(versão mini), tinha apenas um pacote de frango temperado, três garrafas de cachaça, um saco cheio de limões, pães, uns quinze pães levava consigo o magrelo.
Nos corredores o barulho era agressivo e os gestos cada vez mais intolerantes “Tem tiazinha que mó forgada memu meu, vaitománocu”, falava a gigante a minha frente. Um transetê de pessoas, cada vez mais entorpecido de gente finalmente cheguei ao caixa.
Passei os proventos, gastei os rebentos, pedi a nota com CPF e olhei o menino ensacando minhas coisas.Solicitei caixas, indaguei pelo planeta dizendo o tempo que demoraria para uma sacola plástica se degradar.
Lá no fundo começaram a me mandar tomar no cu, outro cidadão me defendeu, enfim a confusão foi armada, e enquanto o debate se acalorava, eu saia, de fininho sem sacolas, com as compras todas em caixas de papelão em direção ao meu carro, cansado, duro e ainda sofrendo por ter que guardar tudo na hora que chegar em casa.

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