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terça-feira, 23 de novembro de 2010

A Bailarina

Ontem fui dar um rolê com Nicolau eu estava precisando e ele também, afinal o espaço reduziu bastante na casa nova, então os dois Pitt Bulls ( eu e o Nicolau) precisam andar, queimar energia.


Tenho tentado me exercitar, fazer algo que coloque meu corpo em movimento, me livrar das quatro paredes aconchegantes do meu quarto onde não sou obrigado a falar e nem ter que ser gentil com ninguém, enfim tenho dado longas caminhadas com o velho Nicolau.

Neste dia saí algumas horas depois do jogo de futebol entre Brasil e Argentina, quase de noitinha, num horário de verão quando o dia tem horas de noite. Achei legal os hermanos nos vencerem no futebol, um joguinho horroroso, valeu pelo quase gol de calcanhar do dentuço e claro, o golaço de Messi, eles estavam precisando muito disso, sua auto-estima anda em baixa, estive lá e sei como nossos vizinhos tem se sentido.

A felicidade proporcionada a outrem deve ser observada no cotidiano, tenho tentado valorizar gestos que para mim são muito simples e que representa muito para outras pessoas. Sair com o Nico, por exemplo, é um deles, o cara é meu parceiro poderia dizer sem pestanejar que é o único ser que me ama incondicionalmente depois da minha mãe, ele esta ficando velho e cheio de manias, tem que cuidar do cara.

Mudamo-nos há quase um mês, as coisas são ainda completamente novas para todos nós, a família aos poucos vai se aclimatando ao novo bairro, conhecendo aos poucos a energia que circula, as pessoas do entorno, a pizza, a padaria, enfim tudo o que uma mudança de casa provoca na vida de uma pessoa.

A casa, por exemplo, é uma das últimas coisas que entram pra dentro de nós, a intimidade com o lugar que se mora nunca é de imediato.É estranho e peculiar a forma que se acorda durante as primeiras noites e a falta de senso geográfico do lugar onde estamos. Inevitavelmente batemos a cabeça em algum lugar, ou chutamos a cama, o acidente é quase certo.

Nestes momentos quando acordamos, ainda estamos na casa velha. Nossa alma somente repousa naquilo que nos conforta, desconfio que nestes casos, nossas almas viajam até nossos antigos quartos e por lá permanecem alguns dias, vigiando a energia que deixamos para trás, evitando que os rastros sejam seguidos por coisas que não mais nos pertencem, acho que isso explica um pouco esta sensação de casa nova que venho sentindo, estranhamento e encantamento em diversas formas.

Ontem quando estava saindo com o Nicolau, pensava na menina que serpenteava ao vento, desembaraçada, como se nada estivesse acontecendo. Acho que nem ela mesma tem noção do perigo que corre, mas fiquei seriamente preocupado com sua vida.

A primeira vez que a vi, óbvio foi na casa nova, quando abri a janela do quarto do pavimento superior. Ela estava ali, indo pra lá e pra cá, quase se dobrando em sua própria extensão, ia e vinha, num movimento de pendulo, quase como um João bobo, fiquei apaixonado.

A casa para dizer mesmo a verdade nem era lá essas coisas, tinha um banheiro horroroso, uma coisa super deprê, era pintado de rosa salmão e tinha um box todo estropiado ao lado da porta. A janela era dessas tipo de cozinha, com os vidros transparentes. Sem dúvida o banheiro mais horroroso que já tinha visto até então, na privada tinha um limo verde, enfim, a casa não tinha banheiro.

Mas tinha dois bons quartos, uma aconchegante cozinha e uma ótima edícula com quintal e um pedaço de terra em volta.

Sem contar que tinha ela, a bailarina que serpenteava em movimentos de pêndulo, quase como um João bobo, brotava muitas folhas verde claro, crescia sem medo, era realmente um espetáculo. Tinha a altura do terceiro andar de um prédio, ainda não consegui identificar sua espécie e sei que sua base infestada de cupins, ela está muito, muito alta e seu peso está fazendo ela tombar, está correndo o risco de cair e morrer.

Era nisso que pensava durante minha caminhada, encucado com a bailarina, tinha passado boa parte da tarde escavando sua base, com um ancinho e uma pazinha de mão, delicadamente ia retirando a terra em volta de suas raízes, abri um espaço de quase um metro de diâmetro, em alguns pontos havia caminhos negros donde brotava uma pasta preta, em toda a sua base se percebiam raízes infectadas por cupins, em alguns pontos saia lavas e ovos.

A bailarina esta em estado crítico, esta que era a verdade, pensava eu enquanto o Nicolau cheirava um canto qualquer.

Ando tendo invasões do meu passado, me pego em momentos cotidianos à me lembrar da voz de minha mãe, ou imagens de uma oficina mecânica explodem como bombas em minha cabeça.

Me sinto sem identidade,como um ser sem pátria, ando assassinando meus sonhos essa que é a chave da coisa. Enquanto caminho com o Nicolau pelos arredores da casa nova, eu não penso, fico apenas a observar os arredores, sentindo o cheiro das murtas, percebendo o pedaço de mundo em que estou neste momento.
Sigo meu rumo com o Nico, ao chegar em casa ainda sinto dificuldade com as chaves do portão e quando entro sinto o quando estou fora de fuso, desatinado de muitas coisas que me cercam.

Troco a água do cachorro, dou uma última olhada para a bailarina, subo as escadas para um banho.Quem sabe uma chuveirada leve embora um pouco desta tristeza vagabunda que teima em me acompanhar?
Quem sabe.


Um comentário:

  1. Você é mesmo visceral. Sempre.

    Cara, saiba que os direitos de autorais sobre eventuais traduções e composições já estão previamente liberados pra ti, sinceramente (rs).

    Abraços!

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